segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Mês da Consciência Negra Existe Movimento Negro em Caruaru? Por: Teresa Raquel Silva

“Quem cede a vez não tem vitória, somos herança da memória. Temos a cor da noite, filhos de todo açoite”!
Jorge Aragão


Nesse mês de Novembro, onde vivenciamos reflexões acerca das relações raciais, pensei naqueles que ainda dizem que no Brasil não existe racismo, mas olha para um negro e diz: “Olhe, é negro, mas de alma branca”!
Refleti que não quero ser preta de alma branca, eu quero ser o que sou, mulher preta, trabalhadora, vida digna, batalhadora, lutadora, acreditando e buscando dias não de Tolerância, mas de respeito aos povos de culturas diferentes, de cores diferentes, de padrões sociais diferentes.
Refleti o quão articulado o negro de Caruaru sempre foi, desde a década de 90, que militantes falavam da causa negra em Caruaru, da situação das mulheres negras de periferia em Caruaru, a exemplo da pessoa de Lucimary Passos (a qual se tornou referência em todo Agreste como pessoa que luta por Direitos Humanos e Igualdade Racial), como o professor José Laércio Ramos e Kleber Gonzaga, ambos da Pastoral Afro, na época, liderada pela Irmã Ana Maria, que hoje reside na África. Hoje, apenas damos continuidade ao que muitos não conheciam esse trabalho, para outros, tinha morrido.
Aqui, não deixo de felicitar os que estão no governo e fazem atividades voltadas para temática, até por que no mundo contemporâneo faz-se necessário, acolher à diversidade, por isso a importância das esferas governamentais de pontuarem essas pautas em suas secretárias, por que na verdade, somos minoria, pela evidência que estamos, no entanto, nós negros, somos a maioria dos votantes[1], somos mais de 53%, chegam verbas nessas pastas governamentais para essas atividades. Contudo, que bom, que ações estão acontecendo. Contentamo-nos! Contribui mais em visibilidade para nosso povo!
No entanto, hoje queria muito evidenciar, o trabalho, a militância daquelas pessoas que lutam apenas pela causa, sem receber um centavo no bolso, para ver sua causa em evidência. Movimentos que se iniciam, a exemplo do Coletivo Ilê Dandara, outros com mais experiência como o Quilombo Raça e Classe, Movimento Afro Cultural como o Grupo Ação Capoeira, da Associação Vida Jovem (capoeira), e daqueles que não se agregaram a nenhum movimento, mas estão nessa luta constantemente e que fazem suas atividades em seus campos de trabalho, sem se importar se vão sair nos jornais, se o diretor vai tomar conhecimento, se as pessoas vão achar importante, porém, pelo desejo difícil, mas possível da transformação. Holofotes, combinam com grandes artistas, com militantes, não.
Vendo a ocorrência das atividades realizadas por esses grupos (não apenas nesse Mês de Consciência, pois nossa batalha contra o Racismo e a Intolerância é contínua, processual), percebi a força e a resistência desse povo que dá continuidade a nosso líder Zumbi que nunca morreu, vive em cada uma pessoa que honra seu sangue derramado pelo opressor, com a luta de liberdade para todos. Liberdade esta, social, intelectual, religiosa, cultural.
Diante dessas premissas, respondo SIM. Existem Movimentos Negros em Caruaru e não são de hoje, digamos talvez que se evidenciam agora mais que antes, nesse mundo transformado pelas leis 10639/2003 e 11645/2008[2].
Caruaru, tem Movimento Negro sim, e hoje, muito bem articulado. Aos que diga que não existe, nunca poderia negar a força do Povo Negro em Movimento na cidade de Caruaru.
Atividades em escolas municipais e em faculdades da cidade (enquanto militantes) realizadas pela união de diferentes representações, foram realizadas por professores, advogada, Yalorixás, capoeiristas ou simplesmente por militantes.
Essas mesmas representações, acima citadas, realizaram além das atividades citadas acima, uma Mesa Redonda, intitulada Culturas Negras e a aplicabilidade da Lei 10639/2003 no Município de Caruaru, realizada no dia 19 de Novembro de 2014, no Museu do Barro – Caruaru-PE[3]. Onde tiveram presentes, no início da atividade 102 pessoas, sendo 6 pessoas do Recife (membros do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe e do Movimento de Mulheres em Luta – MML). Além das falas muito imponderadas dos que compuseram a mesa, a exemplo do Contra Mestre Marcos, Yalorixá Karla de Oxum, Professor Oswaldo do Pina, Professor Walter Bernardino, Mestrando Tiziu e Professor Laércio, podemos ser contemplados com a palestra da Professora Doutoranda Elizama Messias da UFPE.
Outro destaque da noite, ficou por conta do capoeirista e graduando em Administração, Deivid Arllisson Batista Moura, que inaugurou sua exposição de desenho em grafite: Mulheres Negras.
Nesse mês de Novembro, onde vivenciamos reflexões acerca das relações raciais, vimos e sentimos a força do Povo Negro que está sempre em Movimento em Caruaru. Quem é da luta não pode parar. O Movimento comanda o mundo.
Por isso um ÊA! Por isso, muito Axé! Por isso, saudemos a ancestralidade!
Zumbi, você vive! Não te deixaremos morrer enquanto lutarmos a tua luta.
Liberdade sempre!
Liberte-se de seu preconceito!




[1] Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) DE 2012.
[2] Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino obrigatoriamente, incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. A Lei 11645/2008, acrescenta o ensino também obrigatório, da história dos povos indígenas.
[3] Contamos com a parceria da Secretaria de Educação, pois sem o ofício com a logo de algum órgão da prefeitura, seria mais difícil a ocupação do local onde foi realizada a atividade.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

A ESCOLA DOS MEUS SONHOS - Frei Betto

Na escola de meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, conhecer mecânica de automóvel e de geladeira, e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra.

Uma semana ao ano integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiras, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim, aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões subterrâneas que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.

Não há temas tabus. Todas as situações-limites da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a física, nas corridas da Fórmula 1 e pesquisas do supertelescópio Hubble; a química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a história, na violência de policiais a cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores-índios, senhores-escravos, Exército-Canudos etc.

Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de biologia e de educação física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a história do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e de dança, e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas.

Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo; o pai-de-santo do candomblé; o padre do catolicismo; o médium do espiritismo; o pastor do protestantismo; o guru do budismo etc. Se for católica, promove retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja.

Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazerem periódicos treinamentos e cursos de capacitação, e só são admitidos se, além da competência, comungam com os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido sobre o que são democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.

Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto, adquirido; sua química, analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente; a visão de felicidade; a relação animador-platéia; os tabus e preconceitos reforçados etc. Em suma, não se fecha os olhos à realidade; muda-se a ótica de encará-la.

Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e um mês por ano setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados às suas práticas.

Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a Independência do Brasil os alunos traziam à classe toda a bibliografia pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar.

Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, aptidão e recursos.

É mais importante educar que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que a ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito, e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.

Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para poderem se manter. Pois é a escola de uma sociedade onde educação não é privilégio, mas direito universal e, o acesso a ela, dever obrigatório.

Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – Autobiografia Escolar” (Ática), entre outros livros.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Conheça a Lei 10639/2003.

                                                             

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.

Mensagem de veto -  Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.
        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

        Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

§ 3o (VETADO)"

"Art. 79-A. (VETADO)"

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."

        Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

        Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque


Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de  10.1.2003

As Marias Madalenas do século XXI

                                





            Comumente, se perguntarmos ao senso comum quem foi Maria Madalena, dirão apenas que foi uma prostituta que Jesus perdoou.
            Maria Madalena, segundo a história foi uma senhora casada com Amús, homem de posses da cidade de Magdala. Por não ter tido filho, Amús achava que Madalena era estéril, quando na verdade era ele quem não podia ter filhos. Acreditando na esterilidade da esposa, se divorcia dela, deixando-a sem nada e ainda a amaldiçoa .
            Maria para vingar-se de Amús, por ter tido a dignidade ferida, deita-se com Romanus (chefe da guarda de Roma) que a engravida e ao saber da notícia, bate em Maria e a fez prostituta de todo seu comando.
            Maria Madalena não escolheu ser ferida e magoada por homens que tanto a maltrataram. Não escolheu sofrer. Não nasceu mulher por escolha ou opção. Não pediu pra ser abusada sexualmente. Não pediu pra ser cuspida.
            Assim, lembro-me das muitas Marias Madalenas que foram usurpadas, injustiçadas, cada uma de um modo particular, diferentes modos, mas todas Marias.
            Marias que foram forçadas a deixarem seus filhos; Marias que tiveram arrancadas sua dignidade; que foram espancadas, estupradas, que a sociedade elitista olha com diferença e as marginalizam.
            Todas nós mulheres fomos, somos ou seremos Maria Madalena, cada vez que morre uma mulher vítima de violência, cada vez que arrancam-lhe o direito de ser mãe, cada vez que somos humilhadas, xingadas por sermos mulheres.
            Não, não nascemos mulheres por escolha ou opção! Nascemos!
            Por opção fica ser Maria Madalena que não deixou que o que parecia “perdido” afundar seus sonhos. Por opção fica nosso desejo de luta e de transformar a realidade. De denunciar nossos agressores. Sim, nossos, pois toda vez que uma mulher é agredida, a mim também agridem.
            E não tenho medo não, nasci muito mulher pra ser covarde! Se eu ver uma companheira sendo lesada em algum direito, violentada, abusada, meto o facão imaginário que em minhas mãos existe e meto na consciência do homem que ainda acredita que mulher é sexo frágil e violenta sua dignidade se achando superior por ser homem.
            Somos todas Marias Madalenas, “nem santas, nem putas, apenas Mulheres!”
                                                                     Teresa Raquel Silva

*Foto retirada do site: coletivomariamaria.blogspot.com