Os honrados que conheceram o grandioso
Professor Amaro Matias, sabia como o mesmo era observador dos “talentos” que o
rodeavam.
Certo dia, Zezinho, menino negro, alto, que
aos 13 anos de idade perdeu o pai e fora abandonado pela mãe, ouviu o gerente
do setor da Estação da Compesa, o chamar. Quando Zezinho olhou, Pérola Negra
(assim também conhecido, Amaro Matias) ladeava o homem que o chamou.
Zezinho fazia a função de gari e naquele
momento, encontrava-se a beira do Rio Ipojuca.
Correndo, Zezinho foi ao encontro de gerente
do setor, o qual disse-lhe que o professor Amaro Matias tinha visto suas notas
no Elisete Lopes(Caiucá) que percebeu como ele era desenvolto em redação e
queria conversar com ele.
Disse-lhe o Professor Amaro Matias que
Zezinho era muito talentoso. E para surpresa de Zezinho, Pérola Negra lhe
disse: “Zezinho, gostaria de ir à minha casa ler alguns de meus poemas”? “Posso,
agora não, senhor”! Respondeu Zezinho ao professor.
Insistindo, o professor Amaro Matias, pediu
para o negrinho magrelo, ir à sua casa ao domingo.
Zezinho como aprendera como seu pai, José
Vitorino da Silva, mais conhecido como Pilão da Compesa, era muito pontual. Na
verdade, ficou em frente a casa do professor, esperando o relógio sinalizar 3h
da tarde. Zezinho tinha fome, pois naquele dia não teve almoço em casa.
Quando Zezinho viu, apareceu o professor
Amaro, o chamando através de gestos, ao se aproximar, chamou Zezinho deestoicista,
que observava Zezinho dali desde 1h da tarde.
Sem entender ao certo, o que Pérola Negra
quis dizer, por ser uma dascaracterísticas do professor palavras refinadas, entrou
e não se envergonhou em aceitar o convite para almoçar. Na época, Amaro Matias
vivia só. Ao terminar de comer, bebeu um copo de suco. Quando saiu da mesa que
veio para a sala, viu em cima de um sofá pérolas como: O tronco do Ipê, Fogo
Morto, O cão sem Plumas, Dom Casmurro.
Zezinho nunca tinha visto tanta riqueza:
livros com capas de couro, de capas duras, livros lindos e de tantas histórias
contadas por aquele negro amoroso e já velho, viu entardecer. Ao dizer que iria
embora, Amaro Matias perguntou-lhe: “ trouxe os poemas”?
Envergonhado, Zezinho tira do bolso um
envelope surrado, com três poemas. O velho negro que esbanjava nobreza e
bondade, sentou e leu extasiado. Disse para o garoto voltar para casa, pois ele
iria palestrar no SESC-Caruaru.
Oito dias passados, em frente à Igreja
Adventista do Sétimo Dia, entregou a Zezinho seus poemas e num deles estava
escrito: “Tens alma de poeta”! Em outro poema: “Gostaria de escrever como você escreve...
confie em você, Zezinho”!
Desse dia então, Zezinho ia aos domingos à
casa do professor, quando este podia recebê-lo e dizia: “declame Castro Alves”!
E no meio da leitura, interrompia o menino dizendo: “erga a cabeça, você está
declamando Castro Alves...”!
Hoje, Zezinho, apenas relembra com saudades o
tempo que passou. Tem em sua residência uma pequena biblioteca. Mesmo sem nunca
ter tido oportunidade de cursar uma faculdade, leu todas as obras e cita com
facilidade, Friedrich Nietzsche, Freud, Carl Jungmann, leu ainda o Alcorão, a
Bíblia Cristã e “Bhagavad Gita.
Hoje, passado anos, não atende mais pelo
apelido dado pelo estimado Amaro Matias. Hoje não é mais o Zezinho de antes.
Hoje é Nicodemus Silva, o Nicó de Caruaru.
Tornou-se compositor (tendo músicas gravadas
por artistas da terra, como Valdir Santos), é tarólogo e estuda a astrologia.
Conhece e dialoga com muitos a teoria da psique, à luz das
teorias de Jungmann.
Nicodemus Silva é um erudito, um intelectual
não acadêmico.
Amaro Matias e Nicodemus Silva, exemplos de
negros que invisibilizaram o preconceito racial da época e tornaram-se ícones
das Histórias do País de Caruaru.
*Artigo publicado no Jornal Extra de Pernambuco em Fevereiro de 2015.