domingo, 1 de março de 2015

Constituição brasileira e Intolerância Religiosa em Caruaru: dicotomia entre o ideal e o real. Por: Teresa Raquel Silva


Em 5 de Outubro de 1988, foi promulgada em Assembleia Nacional a Constituição do Brasil.
São 27 anos que uma ideologia prega que somos iguais, que somos libertos, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, conforme o artigo 5º da Constituição Federal.
Duas décadas e sete anos que conforme o inciso I, do § 1º, do artigo 5º da Constituição Federal que: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.  E reafirma o inciso VIII do mesmo artigo, que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa (...)”.
Diante da Carta Magna me questiono para quem e para que existe a lei, quando na vida real, nos deparamos com realidades cruéis, diferentes do ideal.
Há não mais de uma semana, ouvimos de um homem, cidadão brasileiro, caruaruense, sacerdote de cultos de Religião de Matriz Africana, com muita indignação relatar que um vizinho, que não comunga da mesma religião, certo dia de festividade, saiu na rua e gritando xingava o sacerdote de “macumbeiro safado”, “endemoniado”, “catimbozeiro safado”, “satanás”. Achando pouco, começou a jogar pedras em seu Templo, local, aquele sagrado aos homens e mulheres daquela religião. Segundo o relator, ao chegar na delegacia, fez-se um B.O e o mundo de intolerância e desrespeito continuou.

Por essas e outras atitudes é que são criadas tantas outras leis, a exemploda 11.635, de 27 de dezembro de 2007, Contra a Intolerância Religiosa. Parece-nos que a Constituição em si, não dá conta, frente a uma sociedade preconceituosa, racista, intolerante. São tantas leis, tantas leis e o problema continua, pois mais que a Lei, as pessoas necessitam ser educadas para respeitar determinada lei, tomar consciência do por que a lei foi criada e a importância desta ser cumprida.

Apesar das complementações a Lei Magna, a exemplo da LDB(Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que é alterada pela Lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, ressalta a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira, há pouco aproximadamente dois meses, o Conselho de Igualdade Étnico-Racial do Município de Caruaru, recebeu uma denuncia de uma aluna de escola estadual, também de Religião de Matriz Africana(mais conhecida como Candomblé), foi  vitima inúmeras vezes de Intolerância Religiosa pelos seus colegas de escola e segundo relato da vítima, o preconceito vinha também por parte de alguns funcionários da escola, onde fora forçada a ouvir que a mesma “vendia sua alma ao diabo”, “bebia sangue de demônios”, chegou a ser cuspida, e de tão humilhada, não queria mais frequentar a escola. Esse caso, inclusive, foi relatado numa dissertação de mestrado. Atualmente, através das providências tomadas pelo Conselho de Igualdade Étnico-Racial, o caso já se encontra sob ordem do Ministério Público, estamos nós no aguardo de algum resultado diante a denuncia. Tudo isso aqui, no país de Caruaru.

O mesmo ocorre com outras religiões!A suma deste, é atentar o leitor a diferença que encontramos entre o ideal e o real. A lei é sem dúvida muito bonita, e seria ideal, mas o que nós podemos fazer para mudarmos esta situação real que acontece corriqueiramente não apenas em nossa cidade, mas no Brasil inteiro?

Somos o segundo País mais negro do mundo, só perdendo para Nigéria, daí o questionamento, a não compreensão dessas culturas afrobrasileiras serem “diminuídas” (por não ter sido trazida pela Europa), assim como a Capoeira, que ainda hoje é vista por alguns, como atividade de “malandro”, de “negro vadio”.

Até que ponto, nós negros estamos tendo a visibilidade merecida. Uma cultura tão valiosa que conta nossa história através das cantigas nas rodas de Capoeira. Ora, a lei já está dita, cabe a nós buscarmos alternativas de efetivá-la. A importância desta, não está na sua proclamação, porém, na sua efetivação.

Legalmente, a Roda de Capoeira, a Cultura Tradicional de Povos de Terreiros e demais expressões afrobrasileiras, são patrimônios históricos da nação, mas até que ponto somos aceitos na sociedade? Até quando aquilo que se refere à cultura que adveio da África será inferiorizada, será invisibilizada?

Mais que a Lei, necessitamos fazê-la ser, pois já as temos. Precisamos cada vez mais unir a teoria da prática.

Enquanto não se existe a reforma da Constituição brasileira vamos respeitá-la fazendo-a valer. Inclusive valer os direitos do diferente, daqueles que sempre foram inferiorizados por uma camada da sociedade que ainda hoje se sente superior, seja por questões raciais e/ou pelo status ocupado na sociedade (classe).

É neste sentido, de convidar o outro a refletir sobre a diversidade existente no Brasil, que foi criado o I Bloco Afrocaruaruense Ilê Dandara, tendo sido idealizado pela sra. Lucimary Passos e inúmeros colaboradores para realização. Não é apenas um bloco carnavalesco, mas, um bloco de resistência que unirá diversos segmentos de origem afro para visibilizar tais culturas, através dos homenageados, ícones (em sua maioria negros) que contribuíram para continuação dessas expressões culturais e religiosas na cidade de Caruaru, entre eles: Zé de Nei (In Memorian), Zé do Estado(In Memorian), Regina Lúcia dos Museus, Nino do Rap, Mãe Lourdes de Oxum e Pai Mário de Oyá, que há 60 anos, resistiram e até hoje levam o axé para o povo de Caruaru, nosso inesquecível Gersino do Boi Tira Teima (In Memorian), a Capoeria de Caruaru, através do sr. Marcos Batista do Grupo Ação Capoeira, o Movimento Quilombo Raça e Classe pelo apoio à resistência negra e o estimado Professor José Laércio que trabalha pela implementação da Lei 10639/2003 no Município de Caruaru. O Bloco sairá no dia 07 de Fevereiro às 15h em frente ao Museu do Barro.

É assim, na luta, que vamos diminuindo a dicotomia entre o real e o ideal proposto pela Carta Magna, com pessoas que se inquietam com o real e luta pela realização do ideário proposto pelas leis brasileiras, na tentativa insistente de fazer valer a Constituição da nossa nação.

Leis são para serem cumpridas!

Salve os Negros, suas culturas, seus antepassados, suas ancestralidades!

Vamos fazer valer sim o inciso IV do artigo 3º da Constituição:


“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

 *Professora graduada em Pedagogia, pós graduanda em Psicopedagogia, estuda a Educação para as Relações Étnico-Raciais com foco na Lei 10639/2003, aluna da Universidade Federal Rural de Pernambuco do Curso de especialização UNIAFRO. Professora efetiva do Município de Caruaru. Membro do Conselho de Políticas de Promoção de Igualdade Étnico-Racial. Membro/ Secretária do Coletivo Ilê Dandara. Membro do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe.



 * Artigo Publicado em Jornal Extra de Pernambuco em 31 de Janeiro a 6 de Janeiro de 2015.




Amaro Matias e Zezinho: memórias de dois negros caruaruenses. Por Teresa Raquel e Nicodemus Silva



Os honrados que conheceram o grandioso Professor Amaro Matias, sabia como o mesmo era observador dos “talentos” que o rodeavam.
Certo dia, Zezinho, menino negro, alto, que aos 13 anos de idade perdeu o pai e fora abandonado pela mãe, ouviu o gerente do setor da Estação da Compesa, o chamar. Quando Zezinho olhou, Pérola Negra (assim também conhecido, Amaro Matias) ladeava o homem que o chamou.
Zezinho fazia a função de gari e naquele momento, encontrava-se a beira do Rio Ipojuca.
Correndo, Zezinho foi ao encontro de gerente do setor, o qual disse-lhe que o professor Amaro Matias tinha visto suas notas no Elisete Lopes(Caiucá) que percebeu como ele era desenvolto em redação e queria conversar com ele.
Disse-lhe o Professor Amaro Matias que Zezinho era muito talentoso. E para surpresa de Zezinho, Pérola Negra lhe disse: “Zezinho, gostaria de ir à minha casa ler alguns de meus poemas”?                                                            “Posso, agora não, senhor”! Respondeu Zezinho ao professor.
Insistindo, o professor Amaro Matias, pediu para o negrinho magrelo, ir à sua casa ao domingo.
Zezinho como aprendera como seu pai, José Vitorino da Silva, mais conhecido como Pilão da Compesa, era muito pontual. Na verdade, ficou em frente a casa do professor, esperando o relógio sinalizar 3h da tarde. Zezinho tinha fome, pois naquele dia não teve almoço em casa.
Quando Zezinho viu, apareceu o professor Amaro, o chamando através de gestos, ao se aproximar, chamou Zezinho deestoicista, que observava Zezinho dali desde 1h da tarde.
Sem entender ao certo, o que Pérola Negra quis dizer, por ser uma dascaracterísticas do professor palavras refinadas, entrou e não se envergonhou em aceitar o convite para almoçar. Na época, Amaro Matias vivia só. Ao terminar de comer, bebeu um copo de suco. Quando saiu da mesa que veio para a sala, viu em cima de um sofá pérolas como: O tronco do Ipê, Fogo Morto, O cão sem Plumas, Dom Casmurro.
Zezinho nunca tinha visto tanta riqueza: livros com capas de couro, de capas duras, livros lindos e de tantas histórias contadas por aquele negro amoroso e já velho, viu entardecer. Ao dizer que iria embora, Amaro Matias perguntou-lhe: “ trouxe os poemas”?
Envergonhado, Zezinho tira do bolso um envelope surrado, com três poemas. O velho negro que esbanjava nobreza e bondade, sentou e leu extasiado. Disse para o garoto voltar para casa, pois ele iria palestrar no SESC-Caruaru.
Oito dias passados, em frente à Igreja Adventista do Sétimo Dia, entregou a Zezinho seus poemas e num deles estava escrito: “Tens alma de poeta”! Em outro poema: “Gostaria de escrever como você escreve... confie em você, Zezinho”!
Desse dia então, Zezinho ia aos domingos à casa do professor, quando este podia recebê-lo e dizia: “declame Castro Alves”! E no meio da leitura, interrompia o menino dizendo: “erga a cabeça, você está declamando Castro Alves...”!
Hoje, Zezinho, apenas relembra com saudades o tempo que passou. Tem em sua residência uma pequena biblioteca. Mesmo sem nunca ter tido oportunidade de cursar uma faculdade, leu todas as obras e cita com facilidade, Friedrich Nietzsche, Freud, Carl Jungmann, leu ainda o Alcorão, a Bíblia Cristã e “Bhagavad Gita.
Hoje, passado anos, não atende mais pelo apelido dado pelo estimado Amaro Matias. Hoje não é mais o Zezinho de antes. Hoje é Nicodemus Silva, o Nicó de Caruaru.
Tornou-se compositor (tendo músicas gravadas por artistas da terra, como Valdir Santos), é tarólogo e estuda a astrologia. Conhece e dialoga com muitos a teoria da psique, à luz das teorias de Jungmann.
Nicodemus Silva é um erudito, um intelectual não acadêmico.
Amaro Matias e Nicodemus Silva, exemplos de negros que invisibilizaram o preconceito racial da época e tornaram-se ícones das Histórias do País de Caruaru.


*Artigo publicado no Jornal Extra de Pernambuco em Fevereiro de 2015.