Em 5 de Outubro de 1988, foi promulgada em
Assembleia Nacional a Constituição do Brasil.
São 27 anos que uma ideologia prega que somos
iguais, que somos libertos, que homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, conforme o artigo 5º da
Constituição Federal.
Duas décadas e
sete anos que conforme o inciso I, do § 1º, do artigo 5º da Constituição
Federal que: “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias”. E reafirma o inciso
VIII do mesmo artigo, que “ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa (...)”.
Diante da Carta
Magna me questiono para quem e para que existe a lei, quando na vida real, nos
deparamos com realidades cruéis, diferentes do ideal.
Há não mais de
uma semana, ouvimos de um homem, cidadão brasileiro, caruaruense, sacerdote de
cultos de Religião de Matriz Africana, com muita indignação relatar que um
vizinho, que não comunga da mesma religião, certo dia de festividade, saiu na
rua e gritando xingava o sacerdote de “macumbeiro safado”, “endemoniado”,
“catimbozeiro safado”, “satanás”. Achando pouco, começou a jogar pedras em seu
Templo, local, aquele sagrado aos homens e mulheres daquela religião. Segundo o
relator, ao chegar na delegacia, fez-se um B.O e o mundo de intolerância e
desrespeito continuou.
Por
essas e outras atitudes é que são criadas tantas outras leis, a exemploda 11.635, de 27 de dezembro de 2007,
Contra a Intolerância Religiosa. Parece-nos que a Constituição em si, não dá
conta, frente a uma sociedade preconceituosa, racista, intolerante. São tantas
leis, tantas leis e o problema continua, pois mais que a Lei, as pessoas
necessitam ser educadas para respeitar determinada lei, tomar consciência do por
que a lei foi criada e a importância desta ser cumprida.
Apesar das complementações a Lei
Magna, a exemplo da LDB(Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que é alterada
pela Lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino da história e cultura
afro-brasileira e africana, ressalta a importância da cultura negra na formação
da sociedade brasileira, há pouco aproximadamente dois meses, o Conselho de
Igualdade Étnico-Racial do Município de Caruaru, recebeu uma denuncia de uma
aluna de escola estadual, também de Religião de Matriz Africana(mais conhecida
como Candomblé), foi vitima inúmeras
vezes de Intolerância Religiosa pelos seus colegas de escola e segundo relato
da vítima, o preconceito vinha também por parte de alguns funcionários da
escola, onde fora forçada a ouvir que a mesma “vendia sua alma ao diabo”,
“bebia sangue de demônios”, chegou a ser cuspida, e de tão humilhada, não
queria mais frequentar a escola. Esse caso, inclusive, foi relatado numa
dissertação de mestrado. Atualmente, através das providências tomadas pelo
Conselho de Igualdade Étnico-Racial, o caso já se encontra sob ordem do
Ministério Público, estamos nós no aguardo de algum resultado diante a
denuncia. Tudo isso aqui, no país de Caruaru.
O mesmo ocorre com outras
religiões!A suma deste, é atentar o leitor a diferença que encontramos entre o
ideal e o real. A lei é sem dúvida muito bonita, e seria ideal, mas o que nós
podemos fazer para mudarmos esta situação real que acontece corriqueiramente
não apenas em nossa cidade, mas no Brasil inteiro?
Somos o segundo País mais negro
do mundo, só perdendo para Nigéria, daí o questionamento, a não compreensão dessas
culturas afrobrasileiras serem “diminuídas” (por não ter sido trazida pela
Europa), assim como a Capoeira, que ainda hoje é vista por alguns, como
atividade de “malandro”, de “negro vadio”.
Até que ponto, nós negros estamos
tendo a visibilidade merecida. Uma cultura tão valiosa que conta nossa história
através das cantigas nas rodas de Capoeira. Ora, a lei já está dita, cabe a nós
buscarmos alternativas de efetivá-la. A importância desta, não está na sua
proclamação, porém, na sua efetivação.
Legalmente, a Roda de Capoeira, a
Cultura Tradicional de Povos de Terreiros e demais expressões afrobrasileiras,
são patrimônios históricos da nação, mas até que ponto somos aceitos na
sociedade? Até quando aquilo que se refere à cultura que adveio da África será
inferiorizada, será invisibilizada?
Mais que a Lei, necessitamos
fazê-la ser, pois já as temos. Precisamos cada vez mais unir a teoria da prática.
Enquanto não se existe a reforma
da Constituição brasileira vamos respeitá-la fazendo-a valer. Inclusive valer
os direitos do diferente, daqueles que sempre foram inferiorizados por uma
camada da sociedade que ainda hoje se sente superior, seja por questões raciais
e/ou pelo status ocupado na sociedade (classe).
É neste sentido, de convidar o
outro a refletir sobre a diversidade existente no Brasil, que foi criado o I
Bloco Afrocaruaruense Ilê Dandara, tendo sido idealizado pela sra. Lucimary
Passos e inúmeros colaboradores para realização. Não é apenas um bloco
carnavalesco, mas, um bloco de resistência que unirá diversos segmentos de
origem afro para visibilizar tais culturas, através dos homenageados, ícones
(em sua maioria negros) que contribuíram para continuação dessas expressões
culturais e religiosas na cidade de Caruaru, entre eles: Zé de Nei (In
Memorian), Zé do Estado(In Memorian), Regina Lúcia dos Museus, Nino do Rap, Mãe
Lourdes de Oxum e Pai Mário de Oyá, que há 60 anos, resistiram e até hoje levam
o axé para o povo de Caruaru, nosso inesquecível Gersino do Boi Tira Teima (In
Memorian), a Capoeria de Caruaru, através do sr. Marcos Batista do Grupo Ação
Capoeira, o Movimento Quilombo Raça e Classe pelo apoio à resistência negra e o
estimado Professor José Laércio que trabalha pela implementação da Lei
10639/2003 no Município de Caruaru. O Bloco sairá no dia 07 de Fevereiro às 15h
em frente ao Museu do Barro.
É assim, na luta, que vamos
diminuindo a dicotomia entre o real e o ideal proposto pela Carta Magna, com pessoas
que se inquietam com o real e luta pela realização do ideário proposto pelas
leis brasileiras, na tentativa insistente de fazer valer a Constituição da
nossa nação.
Leis são para serem cumpridas!
Salve os Negros, suas culturas,
seus antepassados, suas ancestralidades!
Vamos fazer valer sim o inciso IV
do artigo 3º da Constituição:
“promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”.
*Professora
graduada em Pedagogia, pós graduanda em Psicopedagogia, estuda a Educação para
as Relações Étnico-Raciais com foco na Lei 10639/2003, aluna da Universidade
Federal Rural de Pernambuco do Curso de especialização UNIAFRO. Professora
efetiva do Município de Caruaru. Membro do Conselho de Políticas de Promoção de
Igualdade Étnico-Racial. Membro/ Secretária do Coletivo Ilê Dandara. Membro do
Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe.
* Artigo Publicado em Jornal Extra de Pernambuco em 31 de Janeiro a 6 de Janeiro de 2015.
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