domingo, 1 de março de 2015

Amaro Matias e Zezinho: memórias de dois negros caruaruenses. Por Teresa Raquel e Nicodemus Silva



Os honrados que conheceram o grandioso Professor Amaro Matias, sabia como o mesmo era observador dos “talentos” que o rodeavam.
Certo dia, Zezinho, menino negro, alto, que aos 13 anos de idade perdeu o pai e fora abandonado pela mãe, ouviu o gerente do setor da Estação da Compesa, o chamar. Quando Zezinho olhou, Pérola Negra (assim também conhecido, Amaro Matias) ladeava o homem que o chamou.
Zezinho fazia a função de gari e naquele momento, encontrava-se a beira do Rio Ipojuca.
Correndo, Zezinho foi ao encontro de gerente do setor, o qual disse-lhe que o professor Amaro Matias tinha visto suas notas no Elisete Lopes(Caiucá) que percebeu como ele era desenvolto em redação e queria conversar com ele.
Disse-lhe o Professor Amaro Matias que Zezinho era muito talentoso. E para surpresa de Zezinho, Pérola Negra lhe disse: “Zezinho, gostaria de ir à minha casa ler alguns de meus poemas”?                                                            “Posso, agora não, senhor”! Respondeu Zezinho ao professor.
Insistindo, o professor Amaro Matias, pediu para o negrinho magrelo, ir à sua casa ao domingo.
Zezinho como aprendera como seu pai, José Vitorino da Silva, mais conhecido como Pilão da Compesa, era muito pontual. Na verdade, ficou em frente a casa do professor, esperando o relógio sinalizar 3h da tarde. Zezinho tinha fome, pois naquele dia não teve almoço em casa.
Quando Zezinho viu, apareceu o professor Amaro, o chamando através de gestos, ao se aproximar, chamou Zezinho deestoicista, que observava Zezinho dali desde 1h da tarde.
Sem entender ao certo, o que Pérola Negra quis dizer, por ser uma dascaracterísticas do professor palavras refinadas, entrou e não se envergonhou em aceitar o convite para almoçar. Na época, Amaro Matias vivia só. Ao terminar de comer, bebeu um copo de suco. Quando saiu da mesa que veio para a sala, viu em cima de um sofá pérolas como: O tronco do Ipê, Fogo Morto, O cão sem Plumas, Dom Casmurro.
Zezinho nunca tinha visto tanta riqueza: livros com capas de couro, de capas duras, livros lindos e de tantas histórias contadas por aquele negro amoroso e já velho, viu entardecer. Ao dizer que iria embora, Amaro Matias perguntou-lhe: “ trouxe os poemas”?
Envergonhado, Zezinho tira do bolso um envelope surrado, com três poemas. O velho negro que esbanjava nobreza e bondade, sentou e leu extasiado. Disse para o garoto voltar para casa, pois ele iria palestrar no SESC-Caruaru.
Oito dias passados, em frente à Igreja Adventista do Sétimo Dia, entregou a Zezinho seus poemas e num deles estava escrito: “Tens alma de poeta”! Em outro poema: “Gostaria de escrever como você escreve... confie em você, Zezinho”!
Desse dia então, Zezinho ia aos domingos à casa do professor, quando este podia recebê-lo e dizia: “declame Castro Alves”! E no meio da leitura, interrompia o menino dizendo: “erga a cabeça, você está declamando Castro Alves...”!
Hoje, Zezinho, apenas relembra com saudades o tempo que passou. Tem em sua residência uma pequena biblioteca. Mesmo sem nunca ter tido oportunidade de cursar uma faculdade, leu todas as obras e cita com facilidade, Friedrich Nietzsche, Freud, Carl Jungmann, leu ainda o Alcorão, a Bíblia Cristã e “Bhagavad Gita.
Hoje, passado anos, não atende mais pelo apelido dado pelo estimado Amaro Matias. Hoje não é mais o Zezinho de antes. Hoje é Nicodemus Silva, o Nicó de Caruaru.
Tornou-se compositor (tendo músicas gravadas por artistas da terra, como Valdir Santos), é tarólogo e estuda a astrologia. Conhece e dialoga com muitos a teoria da psique, à luz das teorias de Jungmann.
Nicodemus Silva é um erudito, um intelectual não acadêmico.
Amaro Matias e Nicodemus Silva, exemplos de negros que invisibilizaram o preconceito racial da época e tornaram-se ícones das Histórias do País de Caruaru.


*Artigo publicado no Jornal Extra de Pernambuco em Fevereiro de 2015.

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